EM BRIGA DE MARIDO E MULHER SE METE A COLHER, SIM!

MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL "FOLHA POPULAR" DE POÇOS DE CALDAS-MG NA COLUNA "FÓRUM DA CIDADANIA" NA DATA DE 20/03/2016

Por Elvio César Bezerra, advogado.

EM BRIGA DE MARIDO E MULHER SE METE A COLHER, SIM!

MARÇO, MÊS DA MULHER

A lei tem que acompanhar o dinamismo e a evolução da sociedade. Por isso, no que tange os avanços das políticas públicas para as mulheres, cabe refletir sobre o famoso ditado popular: “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher.” Assim, de acordo com a Corte Superior do nosso país, quando se trata de violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher, praticamente a frase deve ser encarada da seguinte forma: EM BRIGA DE MARIDO E MULHER SE METE A COLHER, SIM!

Na data de 09 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação de Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria Geral da República, quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), ou seja, o Supremo Tribunal Federal decidiu que aos crimes da Lei Maria da Penha e nos crimes de lesão corporal praticados contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo de caráter leve, atua-se mediante ação penal pública incondicionada, ou seja, significa que o Ministério Público pode denunciar o agressor, mesmo que a vítima não apresente queixa contra quem a agrediu. Com a decisão da Suprema Corte, o Estado tem que intervir para garantir a proteção da mulher, independente de representação da mesma.

Na mesma data o Supremo Tribunal também declarou procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19, ajuizada pela Presidência da República. Por votação unânime, o Plenário do STF declarou a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). A lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo hoje um dos principais avanços dentro das Políticas Públicas para as mulheres.

Com a decisão, a Suprema Corte Brasileira reconheceu que a violência contra a mulher não é um fato novo, pelo contrário é antigo. Nesse sentido, a publicação do Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil” registra que a violência contra a mulher “é tão antigo quanto a humanidade. O que é novo, e muito recente, é a preocupação com a superação dessa violência como condição necessária para a construção de nossa humanidade. E mais novo ainda é a judicialização do problema, entendendo a judicialização como a criminalização da violência contra as mulheres, não só pela letra das normas ou leis, mas também, e fundamentalmente, pela consolidação de estruturas específicas, mediante as quais o aparelho policial e/ou jurídico pode ser mobilizado para proteger as vítimas e/ou punir os agressores.

O posicionamento do Supremo Tribunal novamente afirma que a Lei Maria da Penha é um poderoso instrumento jurídico na luta pela igualação dos direitos das mulheres, até porque a Lei nasceu da indignação diante da violência cometida contra uma mulher.

É interessante ressaltar que o artigo 8º da referida Lei dispõe que a Política Pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Município e de ações não governamentais. Referido artigo demonstra a necessidade de realizar o trabalho mediante “Rede de Atendimento e Proteção Integral à mulher”. Ainda, a Política tem por diretrizes a integração do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as demais políticas de atendimento (saúde, segurança pública, assistência social, educação, trabalho e habitação), assim como promoção de estudos e pesquisas, celebração de convênios, capacitação permanente das Polícias Civil, Militar, Guarda Municipal, Corpo de Bombeiros; implementação de atendimento policial especializado para mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher, dentre outras diretrizes. Verifica-se que o intuito é proporcionar a mulher o acesso, acolhimento e proteção necessária para interromper o ciclo de violência.


O Supremo Tribunal Federal também ressaltou que a mulher é vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos no âmbito privado. Sabiamente, o ministro Marco Aurélio, em seu voto destacou: “Não há dúvida sobre o histórico de discriminação por ela enfrentado na esfera afetiva. As agressões sofridas são significativamente maiores do que as que acontecem – se é que acontecem – contra homens em situação similar.”

Na ocasião do julgamento, a Ministra Cármen Lúcia, segunda mulher nomeada ao cargo de ministra do Supremo Tribunal Federal, pediu licença aos demais ministros para pontuar acerca da mudança de mentalidade e ressaltar sobre as dificuldades históricas que a mulher enfrenta em decorrência do preconceito e machismo. Também, frisou que em decorrência da mudança em que passa a sociedade, no que se refere aos direitos das mulheres: “a interpretação que agora se oferece para conformar a norma à CF/88 me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado de coibir qualquer violência doméstica”. A ministra também destacou que no que se refere as frases “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” e “o que se passa na cama é segredo de quem ama”, ela afirmou que é dever do Estado adentrar ao recinto das “quatro paredes” quando na relação conjugal que se desenrola ali houver violência. No momento de seu voto, a Ministra enfatizou: “Eu cresci ouvindo frases, que eram frases de efeito, que eram frases de brincadeiras, que eram frases muitas vezes ditas num tom jocoso, que é uma das formas de desmoralizar os direitos”.

Com a decisão do STF, resta demonstrado que “Em briga de marido e mulher se mete a colher, sim!” e que o Estado deve intervir obrigatoriamente nos casos de violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher, até porque em decorrência da vulnerabilidade em que a mulher se encontra, muitas vezes a mesma não consegue alcançar e pleitear os direitos que hoje lhe são garantidos.


Portanto, a lei Maria da Penha vigora desde 2006 como principal instrumento de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher;  em 2012 o STF reconheceu que o Estado deve intervir nas situações de violência doméstica, independente de representação da vítima, até porque a Corte Superior decidiu que a invisibilidade e o silêncio da vítima de hostilidades ocorridas na privacidade do lar demonstra a necessidade do movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo a reparação, a proteção e a justiça.

Elvio Bezerra

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